sexta-feira, 4 de agosto de 2017

ENTRE AS GUERRAS

Bertolt Brecht (1898/1956)


"O aspecto animal e o aspecto intelectual, vindos à luz e levados ao apogeu, encontravam-se em interacção, como uma espécie de corrente alternada. Quem quer que estivesse desperto para a sua animalidade antes de chegar a Berlim tinha de a empurrar até ao seu máximo para poder afirmar-se contra a dos outros e logo se achava gasto e arruinado, se não fosse de uma solidez excepcional. Aquele que, pelo contrário, fosse dominado pelo seu intelecto e não tivesse cedido ainda à sua animalidade só podia sucumbir à complexa riqueza do que era proposto ao seu espírito. Uma pessoa sentia-se fustigada por todas estas coisas múltiplas, contraditórias, brutais e não se tinha tempo de compreender o quer que fosse, só se sentiam os golpes. Não se tinham ainda digerido os da véspera e já os novos choviam. Arrastávamo-nos assim em Berlim como um pedaço de carne estragada, não nos sentíamos todavia batidos o suficiente e estava-se à espera dos novos golpes."
"Le flambeau dans l'oreille" (Elias Canetti)

Era assim que o jovem Canetti via a capital da Alemanha nos anos vinte do século passado. O homem dividido pela aceleração das coisas e o desequilíbrio espiritual. Faltava o tempo de pensar.

Alguns, como Brecht, atravessavam o turbilhão, secretos, aparentemente impávidos, mas retirando a sua força da verificação das profecias. "Era a custo que se acreditava que tivesse apenas trinta anos, não parecia ter envelhecido, mas ter sido sempre velho."

Esse clima sobreexcitado fez a cama do pior dos regimes, quase por necessidade física de encostar o corpo.

Vivia-se no meios dos destroços da última guerra e a única coisa que parecia firmar-se eram os músculos da próxima.

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