quarta-feira, 16 de agosto de 2017

UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA




"A descrição das relações entre os membros do Congresso e os funcionários aquando da preparação do orçamento federal americano é disso um bom exemplo. O funcionamento real da administração pública é demasiado complexo para que os membros do Congresso possam dela ter uma visão geral e para que possam avaliá-la. Eles não podem agir sem ter confiança na integridade pessoal dos funcionários que dominam os detalhes. Na prática, os representantes não controlam, portanto, os factos, mas somente a sua confiança, e é só através dela que podem controlar os factos. E, sob esse constrangimento, ao menor sinal de desonestidade, eles reagem com uma grande intensidade emocional, retirando a sua confiança ou ainda por meio de outras sanções."

"La Confiance" (Niklas Luhmann)

Este é um bom exemplo para desobnubilar os espíritos crédulos na possibilidade de uma democracia que faça jus ao seu nome e às suas origens. E isto por nenhum vício constitucional ou por nenhuma relação de forças adversa.

Tal como a representação política, que é uma assimptota cada vez mais divergente, o poder democrático é ainda mais indirecto e afastado das efectivas decisões do que os seus críticos sempre disseram. É, de facto, o pior dos regimes "à excepção de todos os outros".

Que a complexidade da "coisa pública" torne os políticos dependentes de uma coorte de técnicos e de especialistas que dominam os detalhes que eles não podem dominar, e que só possam julgar as opções pelos seus resultados práticos é uma situação muito próxima da monarquia constitucional.

O soberano não sabe, nem tem de saber. Basta que esteja rodeado das pessoas certas, as quais premiará ou castigará, conforme os êxitos ou os insucessos.

Não muda nada que este monarca seja eleito de quatro em quatro anos e que tenha tantas cabeças quantas as do governo e o parlamento reunidos.

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