sexta-feira, 10 de março de 2017

A VERDADE COMO PAIXÃO

("La Verité", Henri-Georges Clouzot)

"A verdade não é uma virtude, mas uma paixão. Daí que não seja nunca caridosa."
(Albert Camus)

O médico que quer poupar o  doente susceptível não lhe diz a verdade, ou a verdade toda. Isso é humano e, sem dúvida, virtuoso (afinal, a sua missão é 'salvar' e não apressar a morte). Mas se insiste em que o seu dever é não esconder a realidade ao doente e proclamar a verdade nua (a diplomacia já é, na verdade, uma concessão), então, não é como médico que age, mas como um apóstolo da religião da verdade.

E será mesmo a verdade que motiva esta paixão? Alguém a possui fora de si mesmo? Ou é uma opinião apoiada em factos que podem igualmente justificar outras opiniões?

A ideia de Camus contém todo o 'existencialismo' que, entretanto, passou de moda, mas que continua  a influenciar a filosofia moderna (Badiou, por exemplo). A verdade pertence à subjectividade, não há 'essência' pré-existente, nenhuma Ideia que a pré-condicione. Não está entre as coisas do mundo, como um objecto, seja um tratado de geometria ou a arte incorporada  numa catedral. É da ordem do acontecimento e não do inventário.

Contudo, não deveria a verdade ter algo a ver com a realidade? É natural que o apaixonado pela ideia da verdade confunda as duas coisas. Mas a realidade 'real', e não a que corresponde ao étimo (as coisas), é o que tem de ser coberto/encoberto pela linguagem sob pena de nos perdermos.

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